De portas abertas
Nasci, gente! Era uma menininha ( a caçula ) depois de dois meninos; e como de costume; fui logo presenteada com uma boneca que me provocava altas sessões de choro. Ai meu Deus, eu nem falava ainda e já dava sinais de que não gostava de brincar de bonecas. Os anos se passaram e meu gosto pelas bonecas não veio... Meu negócio era mesmo brincar com meus irmãos... estilingue, peão, palito, bafo, pega-pega, bolinha de gude, subir em árvores, pipa, judô mas como era mais nova e menina, nem sempre eles me deixavam acompanhá-los. Meu irmão mais velho ( A ) era meu protetor.
Adolesci... Essa foi a pior fase... Eu queria ser eu mesma mas sentia grande dificuldade pois eu era diferente das minhas amigas. Eu não gostava de fazer as unhas, arrumar os cabelos, tirar sobrancelhas, usar maquilagem, vestidos,saias e afins... mas gostava de meninos, de dançar com eles nas festinhas, ao mesmo tempo que me sentia muito encantada pela beleza feminina. Tudo parecia “ normal “ e muito equilibrado aparentemente embora eu me sentisse uma estranha no ninho dos meninos e um estranho no ninho das meninas, assim; como se eu não tivesse feminilidade suficiente pra ser mulher e nem masculinidade suficiente pra ser homem. Beijava e namorava garotos, mas não abria mão das minhas amigas por nada.
Por volta dos 15 anos eu tinha uma amiga muito próxima, nos falávamos “n” vezes ao dia, eu ia esperá-la na chegada e na saída do inglês, quando íamos ao cinema ficávamos de mãos dadas escondido mas nunca rolou beijo. Minha mãe percebendo isso disse que não era normal e me ofereceu tratamento médico... A mãe dela desconfiada, acabou nos proibindo de andarmos juntas pois sabia que eu tinha uma tia homossexual e soprou aos quatro ventos que eu também era, só eu é que ainda não sabia.
Dos 18 aos 19 tive um namorado ( F ) com quem queria me casar e ter filhos embora não transássemos ainda e simultaneamente eu tinha outra amiga inseparável.
O primeiro beijo ( e afins ) numa garota ( C ) veio aos 20 anos com quem fiquei de enrolada até os 27 numa relação escondida onde vários homens entraram e saíram da minha vida inclusive o F por várias vezes.
Nessa ocasião eu já não sabia mais se ficava com homens pra manter as aparências ou se gostava mesmo deles, mas sabia que não amava minha namorada.
Meu irmão e protetor ( A ) estava morando no exterior e resolvi visitá-lo. Já que passaria 2 meses fora, resolvi terminar meu namoro com a C e assim o fiz uma semana antes do meu embarque, e ela viajou em seguida.
Eu estava sozinha e prestes a fazer a viagem da minha vida...
Fui convidada pela Sharmen pra sair e brindar a viagem, afinal quem vai pra Europa tem que estar feliz e eu não parecia estar... Não aceitei pois não queria baladas... então ela sugeriu um happy hour ... que seria fatal.
O happay hour eu topei. “ brindar cerveja como se fosse champagne “...
Bebemos, “ brindamos cerveja como se fosse champagne “ e conversamos como se nunca tivéssemos nos visto antes, era impossível tirar os olhos dela mas o tempo corria e não percebíamos. A hora da balada se aproximava e resolvemos então ir embora. Ao chegar em casa pensei: A Sharmen tem toda razão, eu deveria estar feliz... vou pra balada com elas. Misteriosamente, sem nenhum tipo de comunicação prévia as pessoas foram desistindo de sair e ficamos apenas eu e ela. Fazia bastante frio, a lua estava maravilhosamente cheia, linda e brilhante e fomos curti-la na chácara dos meus pais tomando cerveja e nos embriagando em papos sem fim. A noite ia linda... sereno, cerveja, cigarros, olhares e conversas mas estava acabando... 4 e meia resolvemos ir embora e no portão de casa eu segurei a mão dela aí as pernas amoleceram, o coração disparou quando ela me pediu que não fizesse aquilo... e nos beijamos ali mesmo, em frente a casa dos meus pais.
Entrei em casa pra pegar a chave da chácara e voltamos pra lá. Nas duas horas seguintes eu me embriaguei de um perfume alucinante, bebi a saliva mais doce e meus dedos passearam pela pele adulta mais macia que eu havia conhecido. O mais longe do rosto que meus dedos alcançaram foram os seios e não precisou mais que isso pra que eu me apaixonasse.
Era dia de trabalho para ela, e eu, passei o dia a suspirar sentindo aquele perfume nas minhas roupas, na minha pele, desejando mais daquela sensação, mais daquela mulher ... mas a Europa me aguardava e embarquei pra 2 meses de loucas sensações e longa espera.
Sentia aquele perfume em todos os lugares mas ele estava sempre sozinho, vazio... Cartões postais e cartas que enviei não tinham resposta como o prometido. O telefone não tocava e fui perdendo as esperanças achando que tudo era ilusão ou desilusão.
Contei pro meu irmão o que estava acontecendo e pra minha surpresa ele teve uma reação que eu não esperava, disse que aceitava mas não conseguia entender, que era desagradável ouvir aquilo, que de certa forma se sentia incomodado.
Fiquei triste mas entendi.
A hora de voltar chegou e decidi que não a procuraria.
Fui surpreendida pela notícia de que durante minha viagem a mãe dela havia se submetido à uma cirurgia de câncer de mama e que ela estava muito abalada.
Mudei imediatamente de idéia e fui até ela, suando, tremendo, sonhando... saber como estava, se podia ajudar...
Aos poucos fomos conversando e entendendo as armações do destino pra nos aproximar.
Nosso amor e cumplicidade cresciam à medida que nos encontrávamos, nos conhecíamos, nos amávamos, nos desejávamos. A insegurança e o medo de uma recaída da doença da mãe se soubesse da gente, somada à reação do meu irmão, também cresciam.
Tentamos nos separar, mas foi impossível...
“O que Deus uniu o homem não separa. “
Dezesseis anos se passaram nesse compasso de espera de um momento apropriado para nossa saída do armário mas ele não veio. Hoje moramos juntas, nossas famílias sempre conviveram em harmonia, freqüentam nossa casa, ninguém pergunta nada, ninguém comenta nada, entram em nosso armário, saem dele quando querem. Não precisamos mais de afirmações e auto – afirmações.
Somos duas pessoas a somar, dividir, multiplicar e subtrair tudo o que vivemos. Buscamos a paz, a simplicidade, o amor como deve ser... simples e puro, gentil, respeitoso, delicado.
Acreditamos que Deus esteve ao nosso lado o tempo todo, que fomos abençoadas e seguiremos assim enquanto Ele nos permitir.
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